sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

CRÔNICA DA LOUCURA

O melhor da Terapia é ficar observando os meus colegas loucos.
Existem dois tipos de loucos.
O louco propriamente dito e o que cuidado louco: o analista, o terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra.
Sim,somente um louco pode se dispor a ouvir a loucura de seis ou sete outros loucos todos os dias, meses,
anos. Se não era louco, ficou.
Durante quarenta anos, passei longe deles.
Pronto, acabei diante de um louco, contando as minhas loucuras acumuladas. Confesso, como louco confesso, que
estou adorando estar louco semanal.
O melhor da terapia é chegar antes, alguns minutos e ficar observandoos meus colegas loucos na sala de espera.
Onde faço a minha terapia éuma casa grande com oito loucos analistas. Portanto, a sala de espera sempre tem
três ou quatro ali, ansiosos, pensando na loucura que vão dizer dali a pouco.
Ninguém olha para ninguém.
O silencio é uma loucura.
E eu, como escritor, adoro observar pessoas, imaginar os nomes, a profissão, quantos filhos têm, se são
rotarianos ou leoninos, corintianos ou palmeirenses.
Acho que todo escritor gosta desse brinquedo, no mínimo, criativo. E a sala de espera de um 'consultório
médico', como diz a atendente absolutamente normal (apenas uma pessoa normal lê tanto Paulo Coelho como ela),
é um prato cheio para um louco escritor como eu.
Senão,vejamos:
Na última quarta-feira, estávamos:
1. Eu
2. Um crioulinho muito bem vestido,
3. Um senhor de uns cinqüenta anos e
4. Uma velha gorda.
Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual seria o problema de cada um deles.
Não foi difícil, porque eu já partia do princípio que todos eram loucos, como eu. Senão, não estariam ali, tão
cabisbaixos e ensimesmados.
(2) O pretinho, por exemplo. Claro que a cor, num país racista como o nosso, deve ter contribuído
muito para levá-lo até aquela poltrona de vime.
Deve gostar de uma branca, e os pais dela não aprovam o namoro e não conseguiu entrar como sócio do 'Harmonia
do Samba'?
Notei que o tênis estava um pouco velho. Problema de ascensão social, com certeza.
O olhar dele era triste, cansado. Comecei a ficar com pena dele. Depois notei que ele trazia uma mala. Podia
ser o corpo da namorada esquartejada lá dentro. Talvez apenas a cabeça. Devia ser um assassino, ou suicida, no
mínimo. Podia ter também uma arma lá dentro. Podia ser perigoso. Afastei-me um pouco dele no sofá. Ele dava
olhadas furtivas para dentro da mala assassina.
(3 )E o senhor de terno preto, gravata, meias e sapatos também pretos?
Como ele estava sofrendo, coitado. Ele disfarçava, mas notei. Corno, na certa. E manso. Filho drogado?
Bem provável. Como era infeliz esse meu personagem. Uma hora tirou o lenço e eu já estava esperando as
lágrimas quando ele assoou o nariz violentamente, interrompendo o Paulo Coelho da outra.
Faltava um botão na camisa. Claro, abandonado pela esposa. Devia morar num flat, pagar caro, devia ter dívidas
astronômicas. Homossexual? Acho que não.Ninguém beijaria um homem com um bigode daqueles. Tingido.
(4) Mas a melhor, a mais doida, era a louca gorda e baixinha. Que bunda imensa. Como sofria, meu Deus.
Bastava olhar no rosto dela. Não devia fazer amor há mais de trinta anos. Será que se masturbaria?
Será que era esse o problema dela? Uma velha masturbadora? Não! Tirou um terço da bolsa e começou a rezar.
Meu Deus, o caso é mais grave do que eu pensava. Estava no quinto cigarro em dez minutos. Tensa. Coitada.
O que deve ser dos filhos dela? Acho que os filhos não comem a macarronada dela há dezenas e dezenas de domingos.
Tinha cara também de quem mentia para o analista.
Minha mãe rezaria uma Salve-Rainha por ela, se a conhecesse.
Acabou o meu tempo. Tenho que ir conversar com o meu psicanalista.
Conto para ele a minha 'viagem' na sala de espera.
Ele ri, ..... ri muito, o meu psicanalista, e diz:-
-O Ditinho é o nosso office-boy.
- O de terno preto é representante de um laboratório multinacional de remédios lá no Ipiranga e passa aqui uma
vez por mês com as novidades.
- E a gordinha é a Dona Dirce, a minha mãe.
- E você, não vai ter alta tão cedo...

desconhecido